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19 de Abril de 2024
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    Artigo: Monitoramento de risco – Um pilar básico do Compliance

    Por Arnaldo Lázaro*

    Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/RN

    Há poucos dias fui indagado por uma jornalista “se era muito caro implementar um sistema de compliance”. Minha resposta foi no clássico estilo da retórica - disse eu: “Tente não ter compliance!”

    Infelizmente, passados poucos dias dessa minha declaração, trago para reflexão uma análise técnica, sobre fato real que ocorreu no dia 24/03/17, envolvendo o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte – MP/RN.

    O órgão público estadual que tem como missão promover a justiça, servindo a sociedade na defesa de seus direitos fundamentais, fiscalizando o cumprimento da Constituição e das leis, defendendo a manutenção da democracia falhou gravemente, e especialmente nos marcos de riscos - Risk frameworks, por ausência de um sistema de integridade – programa efetivo de compliance, permitindo, por consequência, que membros, servidores e sociedade ficassem expostos ao risco, em virtude de ato de extrema violência o qual deveria e poderia ter sido totalmente evitado por dever legal de ofício, conforme as próprias normas e procedimentos internos do órgão.

    Compliance é um sistema humanístico, ativo, e multissetorial, que busca a interatividade organizacional, objetivando o completo cumprimento das normas legais inerentes às atividades da companhia. Para tanto, o sistema é sustentado por pilares de suporte, os quais dão à organização um fluxo vivo de procedimentos e ações, oferecendo ao mercado (sociedade) maior segurança para o fomento do ambiente de negócios. (nossos grifos).

    O portal de notícias – globo.com, divulgou a seguinte informação – “O procurador-geral adjunto de Justiça do Rio Grande do Norte Jovino Pereira Sobrinho e o promotor Wendell Beetoven Ribeiro Agra foram baleados na manhã desta sexta-feira (24), na sede do Ministério Público do Estado. Ambos foram socorridos. Ninguém foi preso.” A referida matéria relata o caso real de um servidor que invadiu uma reunião no segundo andar do prédio da instituição e efetuou os disparos em face das referidas vítimas.

    Pois bem, esse é o fato ocorrido. Agora, porque entendemos que o MP/RN falhou gravemente quando não conseguiu evitar tal situação?

    A resposta vem pela natureza institucional do órgão. O MP/RN é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF). Tem como atribuições, dentre outras, promover privativamente a ação penal pública, o

    inquérito civil e a ação civil pública, exercer o controle externo da atividade policial, requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (art. 129 da CF).

    Dito isto, é muito razoável, ou melhor, é lógico compreender que este órgão público exerce, por essência funcional, uma atividade de grande risco (Risco inerente: é o risco que existe pelo simples fato de se fazer determinada atividade). Qualquer homem médio é capaz de reconhecer que a atividade dos membros e servidores de qualquer ministério público (estadual ou federal), assim como dos demais órgãos de controle e combate às infrações penais (ex. secretaria de segurança pública e outros afins) é profundamente vulnerável a ameaças e atos de violência.

    É por esse motivo que o próprio MP/RN traz em seu Regimento Interno (Resolução ? 074/2011-PGJ) várias temáticas que tratam de forma direta dos riscos inerentes a sua atividade. Para o caso em apreço podemos destacar no Capítulo II, a Seção IV – Do Gabinete de Segurança Institucional e no Capítulo III, a Seção IV – Da Diretoria de Gestão de Pessoas (Unidades subordinadas: Gerência de Desenvolvimento Humano; Setor de Bem-estar; Saúde e Segurança no Trabalho).

    Vejamos o que determina o Regimento Interno do MP/RN quanto as suas competências e atribuições:

    Seção IV – Do Gabinete de Segurança Institucional.

    Art. 9º Ao Gabinete de Segurança institucional compete:

    III – desenvolver padrões operacionais e documentos técnicos para a administração da política, defesa da segurança (avaliação de confiabilidade), proteção de membros e servidores, segurança em emergências e aumento na escalada de ameaças (avaliação de risco), plano de continuidade de atividades, investigação de incidentes de segurança e outros assuntos correlatos que forem exigidos, tudo em consulta aos setores envolvidos;

    V – coordenar o oferecimento de treinamento de segurança e conscientização em conjunto com a Diretoria Geral; o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF); a Diretoria de Planejamento e Gestão Estratégica; e Diretoria de Gestão de Pessoal da Instituição;

    Seção IV – Da Diretoria de Gestão de Pessoas.

    Art. 32 Ao Setor de Bem-Estar, Saúde e Segurança no Trabalho compete:

    II – propor, coordenar e implantar a política de segurança no trabalho que envolva atividades de Programa de Controle Médico em Saúde Ocupacional (PCMSO), Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), Análise Ergonômica, e Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA);

    III – planejar, propor, coordenar, executar e avaliar ações de cultura, lazer e integração, promoção de saúde, bem como ações que estimulem a responsabilidade socioambiental para os integrantes da Instituição;

    IV – realizar o encaminhamento dos integrantes da Instituição à Junta Médica;

    V – monitorar os afastamentos de trabalho em razão de tratamento de saúde;

    VI – coordenar e executar as atribuições e atividades do Programa de Qualidade de Vida e Saúde no Trabalho;

    Por meio desses dispositivos legais (internos do MPRN), pode-se perceber que estamos a tratar de um órgão público, no qual seus membros e servidores vivem e trabalham sob condição de alta pressão emocional, uma vez que tratam diariamente com temas, assuntos e processos de elevada complexidade, demandando ações enérgicas contra todo e qualquer tipo de pessoa ou instituição que haja praticado ilícito.

    Dessa forma, atendo-se ao caso concreto, com ênfase no estudo sobre o sistema de compliance – temos a seguinte questão: Como um sistema de compliance poderia colaborar na dinâmica das atividades do MP/RN?

    Em primeiro lugar, analisando, monitorando e definindo todos os riscos – Risk assessment inerentes à natureza do órgão. Levar-se-ia em consideração, neste caso, o Gabinete de Segurança Institucional e com ele seria intensificado uma fiscalização rígida e permanente, exigindo deste departamento o fiel e estrito cumprimento de suas atribuições.

    Uma questão que deve ser ressaltada no episódio, ocorrido no dia 24/03/17, é quanto à efetividade e funcionalidade de todos os sistemas, travas e regras de segurança que o MP/RN possuiu ou deveria possuir. Alguns pontos básicos saltam aos olhos de qualquer especialista em segurança. Por exemplo: a) Como pode um indivíduo entrar nas dependências da sede do MP/RN portando uma arma de fogo? b) Porque foi permitida a entrada do servidor em sala de reunião, na qual estava sendo tratado assunto de extremo sigilo?

    Conforme foi narrado pela imprensa nacional, o servidor não encontrou qualquer tipo de obstáculo ou barreira de segurança para ter acesso ao local do disparo (inclusive conseguindo ter total tranquilidade para efetuar sua fuga), logo fica claro e evidente que o sistema de segurança institucional do MP/RN foi extremamente falho e totalmente ineficiente, pois o servidor armado deveria ter sido detido nos primeiros degraus de acesso à sede do órgão. Sendo assim e dada as preliminares notícias divulgadas pela impressa e conforme as regras de segurança do MP/RN, não seria impossível ou incorreto concluir que o órgão ministerial assumira o risco quando foi negligente com o seu sistema de monitoramento e avaliação dos riscos, colocando em perigo a vida e integridade física de todos os servidores, membros e toda a sociedade, tanto que dois Promotores foram baleados.

    Por outro vértice, o próprio servidor (que efetuou o disparo) deveria estar nesse momento detido por no máximo porte ilegal de arma, mas não por tentativa de homicídio, caso o sistema de segurança tivesse funcionado.

    Outra forma com que o sistema de integridade – compliance, colaboraria com a administração do MP/RN seria no tocante ao aspecto da saúde e qualidade de vida dos servidores.

    Como já destacamos, não são só os membros (promotores e procuradores) que são pressionados pela dinâmica da atividade ministerial, os servidores também sofrem muito com a rotina do trabalho, dada a complexidade que permeia os processos em que atuam como auxiliares e a seriedade e compromisso com que devem exercer o seu mister.

    Essa preocupação com a qualidade de vida, com a saúde e as condições de trabalho dos integrantes do MP/RN está muito bem destacada no seu Regimento Interno. A Diretoria de Gestão de Pessoas tem entre as suas atribuições o dever de implementar políticas de segurança no trabalho, que envolva atividades de programa de controle médico em saúde. É da mesma forma obrigada a planejar, propor e executar ações de cultura, lazer e integração na promoção da saúde dos membros e servidores, encaminhando-os, caso seja necessário, para Instituição de Junta Médica.

    Essas atividades de qualidade de vida e saúde no trabalho não estão nas regras do MP/RN por acaso. Sua inspiração, a nosso sentir, é fruto da natureza da atividade laboral de seus integrantes (Art. 39, § 1º, inc. I e III da CF). Por isso, o compliace pontua como sendo um item de risco a ser avaliado e considerado.

    Estabelecendo um elo com o fato ocorrido, caso seja identificada (nas investigações) omissão no tocante à exigência de permanente monitoramento da saúde dos servidores, poder-se-á concluir por falta gravíssima de gestão – improbidade administrativa (Art. 37, § 4º da CF), pois nos casos em que os servidores e os membros apresentem e/ou deem sinais de debilidade (física ou mental) a correta atitude do gestor público deveria ser o acompanhamento individual e personalizado do enfermo e, se necessário, proceder com o afastamento imediato do trabalho para o devido tratamento, regressando apenas quando restabelecidas as suas condições de saúde, ou aposentá-lo (afastamento definitivo), conforme as regras pertinentes.

    É nesse sentido que o sistema de compliance exerce o seu importantíssimo objetivo de atuar como um programa de integridade – fazendo com que qualquer órgão, empresa ou instituição cumpra com seu o dever legal – mantendo-se sempre em conformidade e alinho com a lei.

    Portanto, quando tratamos de Sistema de Integridade – Compliance, devemos ter em mente que este é sustentado por alguns pilares estruturantes, sendo eles: O comprometimento da Alta Administração, a definição de políticas de normas e controles, a utilização da Due Diligence (fornecedores e terceiros), intenso treinamento laboral, implementação de canal de denúncia (interno e externo – para apuração da notícias sobre o próprio órgão ou empresa) e monitoramento e avaliação de riscos.

    Essa temática, sobre o dever legal de se manter em conformidade com os estritos termos legais, no âmbito da administração pública, teve elevado destaque na Lei ? 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

    Com este normativo legal, as referidas empresas passaram a ter a obrigação de implementar a área de compliance. Vejamos alguns dispositivos da norma:

    Art. 9o A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam:

    II - área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos;

    § 1o Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade, que disponha sobre:

    I - princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;

    II - instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade;

    III - canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;

    IV - mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias;

    V - sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Conduta e Integridade;

    VI - previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a política de gestão de riscos, a administradores.

    § 2o A área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos deverá ser vinculada ao diretor-presidente e liderada por diretor estatutário, devendo o estatuto social prever as atribuições da área, bem como estabelecer mecanismos que assegurem atuação independente.

    § 4o O estatuto social devera? prever, ainda, a possibilidade de que a área de compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou quando este se furtar a? obrigação de adotar medidas necessárias em relação a? situação a ele relatada.

    Por fim, resta esclarecer que o compliance não é assunto novo no mundo. Surgiu inspirado pela Lei Anticorrupcao - Foreign Corrupt Practices Act – FCPA, de 1977, editada pelo Estados Unidos, sendo posteriormente acompanhada pela Lei Britânica - UK Bribery Act – UKBA, datada de 1/07/2011, e chegando oficialmente no Brasil através da Lei ? 12.846/13, como um singular sistema de gestão que colabora intensamente para o desenvolvimento

    sustentável do Brasil, opondo-se às artimanhas da corrupção, das fraudes e dos mecanismo de desvios de condutas, itens que prendem o nosso país no passado e prejudica seu avanço.

    Desse fatídico e triste caso de violência na sede do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte percebe-se que no mínimo a sua reputação fica abalada, visto que seus membros e servidores foram extremamente expostos a risco de morte.

    Ao cabo, vale dizer que um profissional de compliance é aquele que zela pela reputação do ambiente de operações e negócios da companhia (órgão e/ou instituições) e, para tanto, necessita entender praticamente toda a dinâmica da empresa e todo o contexto em que se insere, desenvolvendo com todos os funcionários e colaboradores, políticas e práticas que certifiquem este ambiente como salutar para as atividades da companhia, seja ela de qualquer segmento, tamanho ou natureza jurídica. O Compliance Officer não disputa hierarquia na organização - é apenas um agente colaborador que precisa de total independência e recursos, pois buscará ser a voz da consciência das organizações.

    *Administrador de Empresas. Advogado. Especialista em Direito Processual Civil - IDP/DF, Pós-Graduado em Direito Público - OAB/DF, MBA em LLM em Direito Empresarial - FGV/RJ e Compliance Officer – Legal Ethics Compliance – LEC. Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/RN

    Por: Wenderval Gomes

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigo-monitoramento-de-risco-um-pilar-basico-do-compliance/443646723

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